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Multiletramentos: um guia simples

Atualizado: 2 de fev. de 2021

Bem, novamente, temos uma pergunta para começar o post da semana: você já ouviu falar em multiletramentos?


Essa é uma pergunta recorrente no início dos textos por aqui. O motivo é bem simples: ao buscar informações sobre qualquer tema, essa busca parte do lugar de onde estamos agora. Não existe busca por conhecimento que inicie "do zero": se você está lendo este texto, é porque parte de um lugar onde o conhecimento pode não ter atingido o nível que você almeja.


Então, vamos pensar o que se entende por multiletramentos.


Desde meados da década de 1980, o conceito de letramento trouxe a perspectiva sociolinguística para o ensino da leitura e da escrita. Um pouco antes disso, já havia sido cunhada a denominação letramento crítico, fortemente influenciada pelo pensamento de Paulo Freire.


menina e mulher fazendo jardinagem

A premissa do letramento crítico é que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Em outras palavras, o questionamento permeia todo o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, não sendo iniciado somente após a aquisição de letras, sílabas e frases descontextualizadas.



Diversas vertentes que trabalham com o conceito de letramento seguem essa proposta de transcender a leitura e a escrita das palavras e tomam como ponto de partida o âmbito visual, cultural, midiático, científico e emocional, entre outros. Afinal, a "leitura" de todas essas dimensões da comunicação humana não pode ser dissociada da leitura da palavra escrita.


Há quem proponha uma distinção entre letramento operacional, cultural e crítico. Essa nomenclatura tem bastante a ver com as dimensões da língua enquanto sistema, discurso e ideologia: todas elas estão sempre interligadas, e considerar apenas um deles em isolado dos demais pode acabar levando a uma interpretação rasa do fenômeno linguístico.


Em resumo, o termo Multiletramentos transmite a ideia de que o letramento não é "uma coisa só". Trata-se da diversidade dos meios de comunicação e dos contextos em que ela ocorre, trabalhados de maneira a despertar a consciência crítica em quem aprende.


conhecer e questionar

Assim, fica claro o que NÃO são multiletramentos:


- a mera digitalização das aulas originalmente pensadas para serem presenciais, como tem ocorrido com muita frequência durante a pandemia;

- a dependência acrítica de recursos tecnológicos, como se o prefixo multi se referisse apenas à diversidade entre celular, tablet e computador, entre Google Classroom e Zoom.


Os multiletramentos estão fundamentados sobre duas bases: o multiculturalismo e a multimodalidade.


O multiculturalismo deve ser sinônimo de interculturalidade, isto é, de estímulo à competência de negociação das diferenças.


É necessário superar uma abordagem assimilacionista, em que as diferenças são negadas e o objetivo é homogeneizar a sociedade; também é necessário superar uma abordagem essencialista, em que se ignora a heterogeneidade de indivíduos dentro dos grupos baseados na origem, na etnia, no gênero, entre outros.


Quanto à multimodalidade, esta se refere à diversidade de meios de comunicação e interpretação do mundo. E essa diversidade não se resume à internet!

arte de rua

Letramento visual é saber interpretar uma imagem; letramento musical é reconhecer a música como meio de comunicação e não somente como expressão estética; letramento midiático é compreender que certas regras de escrita na internet não se aplicam a gêneros textuais considerados "tradicionais" – e vice versa, para o desgosto do conservadorismo... memes, funk carioca e modificações corporais estão entre os meios de comunicação que escapam ao tradicional.


Não é à toa que o legado de Paulo Freire é hoje demonizado por nefastos ocupantes de posições de poder, que pretendem reservar às elites o direito a uma educação crítica. Os multiletramentos só podem funcionar de maneira crítica. E por isso são o extremo oposto daquilo a que Freire chamava educação bancária: conteudista, acrítica e homogeneizadora.


Se nenhuma das formas de expressão humana é menos complexa ou menos válida do que a leitura e a escrita das palavras, como foi que nos deixamos convencer de que a tão aclamada alfabetização tem maior valor do que todos os outros conhecimentos e letramentos possíveis?

 

Inspirado em:


CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, 2008, pp. 45-56.


COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. Multiliteracies: the beginnings of an idea. In: COPE & KALANTZIS, Multiliteracies, 2015, pp. 3-8.


TAKAKI, Nara H. Letramentos na Sociedade Digital: Navegar é e não é preciso. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2012.

Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)

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