Falante nativo: um infeliz e persistente mito
- marina.grilli.s
- 24 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de abr.
Começo este texto motivada pelo meu gosto em cumprir a missão de formar professores críticos para o ensino de línguas adicionais no Brasil, de acordo com as necessidades do nosso povo neste século XXI. Mas não posso deixar de sentir um certo ranço ao falar de um tema que já deveria estar enterrado há décadas.
Então, vamos direto ao assunto: o tal falante nativo que se vive endeusando como modelo simplesmente não existe.

O que existe são seres humanos variados. Variados em idade, etnia, condição socioeconômica. Com experiências diversas, que transparecem em múltiplos sotaques e pronúncias.
Está claro que nativo não é só quem nasceu na Europa ou nos Estados Unidos, mas esse nem é o ponto aqui.
Sabemos que europeus saíram invadindo países e destruindo culturas mundo afora, para que chegássemos à visão de sociedade, de religião, de língua e de falante que temos hoje - inventada e imposta à força pela colonização.
Mas também não podemos esquecer que nenhum dos falantes nativos de uma mesma língua, inclusive aqueles que nasceram ou vivem em países não-hegemônicos, é uma pessoa que vive em completo isolamento do resto do mundo.
Pois é. Falantes nativos têm contato com outras pessoas, que passaram por experiências diferentes por meio das línguas e repertórios que construíram ao longo da vida, que viveram em outras culturas e que defendem outras visões de mundo - a existência da Internet afeta as relações humanas em todo o mundo, inclusive as pessoas que não dispõem de acesso fácil a ela.
E é justamente assim que a língua se modifica. Assim como antigamente se desenvolveram variedades do que é considerado uma mesma língua, hoje também é assim, e sempre será. Não adianta tentar parar o curso de uma língua.

Assim como eu e você, que também somos falantes nativos de uma determinada língua, os falantes nativos de outras línguas lidam com sua língua materna e com outras línguas num processo de constante movimento.
Portanto, nenhum deles merece carregar o peso de servir de modelo para aprendizes de países tão tão distantes, certo?
É por isso que não existe "o" falante nativo, e sim, falantes nativos, no plural. Por mais que pareça óbvio quando colocado dessa forma, sabemos que muitas escolas e profissionais de ensino ainda não entenderam isso!
Será que você ainda faz parte desse grupo negacionista, prof?
O único jeito de construirmos uma Educação Linguística emancipadora para o povo brasileiro é derrubar o mito do falante nativo. Ensinar com foco na experiência do aprendiz brasileiro, de um jeito leve e eficaz, que faça sentido.
Porque já estamos ensinando línguas com base no mito do nativo há décadas. Não está funcionando. Agora, eu te convido a enxergar Além.