Sabemos que o acesso a informação e conhecimento nunca foi tão fácil, e as novidades nessa área não param de surgir. Porém, nem tudo são flores... vamos discutir neste post três verdades inconvenientes dessa realidade.
O termo "sociedade do conhecimento" foi utilizado pela primeira vez em 1969. Desde então, muito se tem discutido sobre o que ele significa.
Em teoria, existe uma ampla variedade de interpretações do termo – mas, na prática, sabemos que o conhecimento, hoje, é visto em primeiro lugar como um meio de obter destaque no mercado de trabalho, a fim de aumentar os ganhos financeiros.
Nessa sociedade, o papel da educação seria formar aprendizes flexíveis, capazes de adaptar-se às necessidades em constante transformação do mercado global. Dessa forma, o chamado homo economicus torna-se homo epistemicus: o trabalhador do conhecimento, que exerce trabalho intelectual de modo flexível..
Portanto, eis a primeira verdade inconveniente sobre a educação na atualidade: ela tem servido quase que exclusivamente ao objetivo de servir ao mercado, e não à qualidade humana em toda a sua amplitude.
No entanto, além dessa interpretação utilitária da sociedade do conhecimento, Biesta identifica ao menos outras duas:
a vertente humanística, baseada no compartilhamento do conhecimento e apoiada sobre o acesso à informação e a liberdade de expressão;
a vertente política, de posicionamento mais explícito, cujo foco é a democratização radical do conhecimento.
Em outras palavras, a tensão se dá entre a educação cujo objetivo é produzir e domesticar, e a educação cujo objetivo é expandir e libertar; entre a tecnologia a serviço da economia e tecnologia a serviço da(s) humanidade(s).
Essa tensão nunca esteve tão explícita quanto hoje! O sucateamento já crônico da educação pública no Brasil abriu espaço para o crescimento de empresas privadas que inovam nos mais variados ramos da educação.
Claro, parece fácil demais criticar a iniciativa de profissionais qualificados que não conseguiram espaço no desvalorizado sistema público, e, por isso, partiram para o mercado da educação privada. Essa crítica seria injusta, pois não considera todo o contexto sociohistórico em que vivemos.
Mesmo assim, cabe aqui uma pergunta provocadora:
Quantas dessas empresas estão mais preocupadas em contratar profissionais altamente competentes em Educação do que em mídias sociais, marketing e programação?
Aqui temos a segunda verdade inconveniente: na disputa entre produção e formação, a educação como desenvolvimento da Humanidade tem sido derrotada. Considerada idealista, ultrapassada... fora de moda!
A ideia por trás dessa derrota é que o profissional da educação está desatualizado, afinal, os desafios vividos por crianças e jovens de hoje mal são contemplados pela grande maioria das escolas. Estas, além de insistirem que crianças fiquem sentadas e façam silêncio durante horas a fio, exigem que se deixe de lado os aparelhos eletrônicos!
Surreal, não?
Ou seja, o elemento que está desatualizado não é o indivíduo que leciona. É a escola.
Tanto a escola enquanto sistema, em que as disciplinas são tratadas como caixinhas isoladas entre as quais nenhum saber se compartilha, quanto a escola física e seus recursos materiais. À exceção de um seletíssimo grupo de escolas brasileiras, em sua maioria privadas, a aula segue centrada no professor, com lousa empoeirada, alunos passivos e silenciosos.
Em outras palavras, a terceira verdade inconveniente sobre a educação na sociedade do conhecimento é que não é possível culpar profissionais da educação por esse sistema falido, de maneira isolada.
É preciso reconhecer que, a despeito de incontáveis profissionais que fazem o possível e o impossível diariamente, o sistema educacional brasileiro está radicalmente falido.
Se, hoje, o conhecimento é visto somente como meio de aumentar a renda, enquanto a educação como humanização é considerada ultrapassada, a culpa não é de quem ensina!
O problema é toda uma cultura de resultados rápidos, que coloca a quantidade acima da qualidade. Por outro lado, sabemos que não se trata de abandonar as propostas de ensino que dialogam com o mercado. Isso seria idealismo. E os nossos boletos não se pagam sozinhos, certo?
Penso que a saída para essas dificuldades seja uma formação docente continuada em três instâncias, conforme apontadas por Consaltér et al.: a reflexão informal e espontânea, os cursos de aprimoramento e a reflexão coletiva sistematizada.
Na sociedade do conhecimento e do neoliberalismo, o mercado de cursos livres tem crescido em alta velocidade, sobretudo em plataformas online. Entretanto, é necessário buscarmos oportunidades para os três tipos de formação mencionados acima, e não somente cursos com carga horária definida e que emitem certificação.
Dessa forma, nós docentes teremos mais recursos para exigir de toda a população que confie em nós, no nosso trabalho e na nossa competência para realizá-lo, em vez de esperar que continuemos seguindo de forma acrítica uma série de imposições sobre o ensino, formuladas por especialistas que não convivem diariamente em sala de aula.
Esse apelo resume as três verdades inconvenientes sobre a educação na sociedade do conhecimento:
a educação tem servido ao mercado e não à humanidade;
a educação para o desenvolvimento humano tem sido derrotada;
quem trabalha com educação recebe injustamente a culpa dessa derrota.
Como nós, profissionais, podemos mudar esse cenário?
Vamos nos posicionar enquanto especialistas, não do ensino dito "eficaz", mas, sim, da educação linguística?
Inspirado em:
BIESTA, Gert. Cultivating humanity or educating the human? Two options for education in the knowledge age. Asia Pacific Educ. Rev., 2013, s/p. DOI: 10.1007/s12564-013-9292-7
CONSALTÉR, Evandro; FÁVERO, Altair A.; TONIETO, Carina. A formação continuada de professores a partir de três perspectivas: o senso comum pedagógico, pacotes formativos e a práxis pedagógica. Educação Em Perspectiva, 10, 2019, pp. 1-14.
Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)